terça-feira, 26 de maio de 2009

Análise semiótica da obra de Peter Greenaway:“O cozinheiro, o ladrão, sua mulher e seu amante”.

O filme se inicia com uma cena violenta onde o ladrão Spica e seus comparsas humilham um devedor. Muitos críticos chamam esta introdução do filme de "castração". O nome se torna extremamente válido, uma vez que mostra a impotência do homem de reagir perante tais ameaças, ou seja, suas forças lhe são arrancadas para obter obediência da mesma forma que o órgão reprodutor de um cão lhe é arrancado para evitar a procriação. Tal forma de tratamento com o devedor ainda é feita diante de cães de rua que comem os restos do restaurante onde a história se passa, o que assemelha o devedor a um mero cão que está na porta de um restaurante chique esperando as sobras, que acabam sendo as fezes de cachorro que Spica esfrega por todo o seu corpo.
A partir desta cena introdutória, começa o filme, e logo vemos que todos os lugares possuem uma cor dominante, ou seja, são ambientes monocromáticos. Cada ambiente busca, semioticamente, transmitir uma visão geral do que ele significa no contexto do filme.
O primeiro ambiente que vemos é o ambiente externo, o ambiente azul. É o local onde as agressões físicas mais irreais acontecem, o que coincide com a cor azul, cuja realidade se transforma em imaginário, mostrando uma leve fuga da “representação” barroca.
A seguir, vemos a cozinha, cuja cor predominante é o verde. O verde simboliza a floresta, a origem dos alimentos. Esta cor traz para o espectador uma sensação positiva de equilíbrio e celebração da vida. Na cozinha, o cozinheiro Richard é o soberano e o provedor dos alimentos, dos instrumentos necessários para a vida. Não é à toa que Michael e Georgina, após seu primeiro encontro, só se encontravam na cozinha para escapar dos olhos de Spica. A relação sexual dos dois vinculada às cenas do preparo da comida retomam a idéia de que na cozinha que a vida é mais latente. Em uma das cenas do encontro dos amantes também presencia-se aves a serem depenadas, deixando o local onde os amantes tem a relação sexual sujo com penas. As penas simbolizam, então, a leveza com que Georgina e Michael se sentem na hora do ato sexual.
O terceiro local que conhecemos é o restaurante propriamente dito. O vermelho do ambiente, os ornamentos excessivos, o quadro "Banquete dos Oficiais da Companhia da Guarda de São Jorge" de Frans Hals ao fundo conspiram para gerar uma sensação de excessos. O vermelho, exclusivamente, contribui para o excesso de violência e raiva que toma conta de Spica muitas vezes. É lá que Spica se enfurece ao descobrir que Georgina está tendo um caso e dá uma garfada na mulher que a desmascara. É no salão do restaurante que Spica maltrata clientes e comparsas com uma perversidade atroz. O vermelho ainda é a cor da carne, que remete à cena final, onde o canibalismo e a vingança tão almejada por Georgina geram uma explosão de sensações com a qual apenas os espectadores mais resistentes sabem lidar.
O banheiro, local inteiramente branco, é onde os amantes de encontram pela primeira vez. Por ser algo angelical, paradisíaco, o branco representa perfeitamente a sensação do casal ao se relacionar pela primeira vez.
A biblioteca de Michael, um ambiente dourado, simboliza a riqueza do conhecimento, representando 'a época dourada do aprendizado', o idílico tempo em que tudo no Jardim do Éden era maravilhoso, assim como era com os amantes antes de Spica descobrir seu esconderijo.
Além do uso das cores o diretor também explora a complexidade dos personagens e lhe atribui sentidos diversos. Pup, o auxiliar ingênuo da cozinha que canta ópera, simboliza a inocência infantil, a bondade, a pureza (que pode ser comprovado não só pelo “albinismo” – brancura - da criança como também pelos versos que ele canta, como “Lave-me”, “ e eu serei mais branco que a neve.”, dentre outros.)
Spica e Michael são personagens praticamente antagônicos. Michael é educado, politizado, calmo, cheio de conhecimento (sendo este, querendo ou não, uma forma de poder), com ideais bem definidos e um ar de artista. Enquanto isso, Spica é o poderoso no físico e no monetário. Ele crê que com dinheiro e violência se consegue tudo que sempre desejar, o que se torna contra ele, já que ele não conquistou o amor de sua mulher. Spica não é um artista nessa história, mas sim um pseudo-intelectual que acredita que entende tudo de gastronomia. Coisa que se vira contra ele na cena final, onde Georgina o obriga a comer a carne de Michael como forma de vingança.
Georgina, na trama, é a mulher sujeita às vontades do marido, submissa enquanto tiver o dinheiro e a boa comida que Spica lhe proporciona. Contudo, isso tudo se quebra no momento em que se apaixona por Michael e começa um perigoso caso. A reviravolta da dominação na relação dos casados mostra o ápice da alma feminina, dominadora, vingativa e perversa.
Richard, o cozinheiro, é o verdadeiro artista. Ele cria sensações e sentimentos em seus pratos. Ele vende a morte para os mais ricos. Ele é o provedor da fuga dos amantes e do objeto de vingança de Georgina.
Greenaway buscou também mostrar com esse filme como as relações sociais podem ser falhas na prática. Uma mulher que não está casada por amor, e sim pela situação financeira. Um marido que estupra a própria esposa. Uma mulher que trai o marido, mas encontra amor, paz e respeito nos braços do amante. Após analisar a obra por esse ponto de vista, cria-se uma pergunta: Até quando teremos que suportar as hipocrisias do convívio social?

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