quinta-feira, 8 de abril de 2010

Análise estética da Fotografia e da Direção de Arte de Jean-Pierre Jeunet

Quanto à fotografia, não restam dúvidas de que Jeunet se dedica a criar verdadeiros quadros nos planos de seus filmes. A acuidade usada para gerar imagens belíssimas é um dos pontos fortes de Jeunet e é uma das suas características mais aclamadas. As cores de seus filmes, o uso de posicionamentos de câmera diferenciados e inovadores, os movimentos de câmera inusitados e de uma certa dificuldade de execução, todos esses fatores ajudam a criar a visão fantástica da história que Jean-Pierre quer contar aos espectadores.
A realidade para Jeunet já é algo muito cru e cruel, o que faz com que ele busque criar imagens fantasiosas sobre a própria realidade, como se vê em seus dois filmes mais recentes, " O Fabuloso Destino de Amélie Poulain" e "Eterno Amor" – nos quais ele busca, na pós-produção, amarelar as cenas como se estes fossem os olhos das próprias personagens colorindo a vida.
Quanto ao posicionamento de câmera, junto ao uso de lentes grande-angulares - que já por sua confecção proporcionam uma certa distorção da imagem - o diretor francês busca distorcer o rosto dos personagens para efatizar a narrativa fantástica. Um exemplo disto é a cena inicial do filme " O Fabuloso Destino de Amélie Poulain", na qual a personagem Amélie (Audrey Tautou) vai quebrar a camada caramelizada de um creme bruleé e ocorre um plano próximo dela segurando uma colher antes de fazê-lo. A câmera, durante planos para distorcer a imagem como este, costuma ficar acima ou abaixo do personagem filmado, muitas vezes também se inclinando de acordo com a sensação que o diretor busca passar (como um incômodo, uma surpresa). Em outras palavras, muitos enquadramentos usados por Jean-Pierre fogem do senso comum. Contudo, mesmo utilizando planos arrojados como este, Jeunet ainda se baseia em artistas impressionistas do século XIX, vinculando assim planos de imagens distorcidas com planos que remetam a quadros impressionistas, como se vê, ainda em Amélie Poulain, na cena da ponte, na qual a mãe de Amélie despeja Cachalote em um rio.
Tal dedicação à grandeza dos artistas impressionistas (havendo até uma homenagem ao pintor Auguste Renoir com o personagem Dufayel) também se reflete no cuidado que Jeunet tem com as cores de seus filmes. A iluminação, o aperfeiçoamento das cores feito na pós-produção digital, a direção de arte delicada, com a escolha de objetos coloridos e de cenários condizentes para o uso de técnicas da teoria das cores como o das cores complementares - uso de objetos de cores frias em ambientes quentes -, o uso de película de cinema ao invés do vídeo. Tudo coopera para a produção de imagens lindas e de tons exuberantes que acabem por gerar algo além do escapar da realidade: Jeunet filma o sublime quando mostra suas personagens dançando com o drama da forma mais otimista possível. O diretor é o artista da beleza nos pequenos detalhes, no cotidiano e no triste.
Quanto aos movimentos de câmera, vê-se que o diretor não usa, de maneira alguma, a câmera viva – com excessão de algumas cenas em Amélie Poulain - coisa que remete ao retrato da realidade no "linguajar cinematográfico". Os tilts, travellings e pans são sempre feitos em tripés, dollys, etc. para manter a linguagem da forma fantástica e dinâmica, sendo que, em grande parte das vezes, os travellings in do diretor terminam em um close distorcido do personagem em questão. São utilizados Plongées e Contra-plongées para demonstrar a superioridade ou inferioridade das personagens em cada cena. Com este intuito, também, o diretor utiliza muitos Hero-Shots ou Smash Cuts. Um exemplo desse artifício é quando Amélie vai realizar alguma tarefa e chega a olhar para a câmera. Quase todas as apresentações de personagens são feitas em Close.
Antes dos filmes " O Fabuloso Destino de Amélie Poulain" e "Eterno Amor", o diretor se encontrava muito encômodo em filmar cenas em locações externas, justamente por conta dessa acuidade com a cor, a definição da imagem e a iluminação. Os seus primeiros filmes, "Delicatessen" e "Ladrão de Sonhos", foram inteiros filmados em estúdios fechados e com um trabalho árduo na pós-produção digital, resultando em filmes visualmente lindos e sem a preocupação das mudanças da iluminação em locações externas.
Como o diretor enfoca, como já repetido muitas vezes, nas cores utilizadas coube, então, ao diretor de arte produzir cenários com objetos de cores que se contrapunham à cor do ambiente. Como exemplo disso, vemos algumas vezes nas cenas de " O Fabuloso Destino de Amélie Poulain" que, quando Amélie está em sua casa, a sala se encontra com uma cor alaranjada e, em meio a essa coloração, tem-se um abajur azul ou verde para formar esse destaque em ambas as cores. Estudando mais a fundo, vê-se que houve um estudo profundo na Teoria das Cores, onde se usa o princípio da cor complementar, visto principalmente na cena em que Amélie, usando um vestido vermelho, está jogando pedras num lago de fundo verde (nesta cena, ainda, vale comentar que o movimento de câmera utilizado foi muito complexo, mesclando um traveling out com um tilt, apresentando um ótimo resultado e ainda levando piadas para o making of com a queda do diretor de fotografia no lago, mostrando como o cuidado com a decupagem e os movimentos de câmera são prioritários para o diretor).