sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Seleção Cultural: existe algo assim?

Durante muito tempo, os pensadores das ciências humanas e sociais vêm buscando razões pelas quais o homem é o que é hoje em dia. De onde surgimos? Por que chegamos aonde estamos? O que nos aguarda logo à nossa frente? Na busca de uma resposta para tantas perguntas surgem conceitos e idéias como a religião, a evolução, a cultura, os mitos, dentre muitos outros.
Edward Burnett Tylor foi um teórico da antropologia clássica que desenvolveu uma das primeiras definições de cultura. No início de seu livro “Cultura Primitiva”, escrito em 1871, Tylor trata da cultura como sendo aquilo que é “adquirido” pelo homem como “membro de uma sociedade”: “é aquele todo complexo que inclui conhecimento, crença, arte, moral, lei, costume e quaisquer outras capacidades e hábitos adquiridos”. O pensador também trata da cultura com um ponto de vista evolucionista e científico ao defender que ela “possa ser investigada segundo princípios gerais”, sendo “um tema adequado para o estudo de leis do pensamento e da ação humana”.
Mas por que a cultura seria considerada evolucionista? Bem, do ponto de vista de Tylor, a partir de uma sociedade humana única foram ocorrendo diversos estágios para chegarmos ao que somos hoje. Mesmo com tantas diferenças culturais no mundo globalizado em que vivemos, Tylor acreditava que todas as sociedades passaram pelos mesmos estágios evolucionistas, mas cada uma os absorveu de uma maneira singular. E não seria esta a base da evolução? Partir do mais simples para o mais complexo, sair do homogêneo para o heterogêneo? Bem, ao menos é nisto que Edward Tylor acreditava. Para devidos esclarecimentos, o cientista acreditava no monogenismo, ou seja, na origem única para todas as raças, enquanto que Darwin acreditava em diversas de formas de vida anteriores que foram sendo selecionadas pela sua capacidade de sobrevivência no ambiente em que se encontravam, ou seja, a tão famosa “seleção natural”.
Darwin, óbvio que em um âmbito mais voltado para a biologia, tinha a mesma visão do antropólogo chamado de evolucionista cultural. O seu conceito de “seleção natural” é muito semelhante ao conceito de “sobrevivências” de Tylor, que consiste na perpetuação de processos, costumes ou opiniões que se manteram mesmo com a fixação de um novo estado de sociedade diferente daqueles nos quais se originaram. É basicamente uma “seleção natural de idéias”. Certos antropólogos gostam de comparar as “sobrevivências” de Tylor com fósseis encontrados por sociedades com cultura mais elevadas. Esta comparação se dá pelo fato de os estudiosos verem nestes “sobreviventes” uma maneira de encontrar vestígios de como se portavam as culturas passadas, afim de gerar um patamar da sociedade humana e sua evolução.
Assim como Darwin via o reino animal, Tylor via a civilização como algo a ser dissecado e classificado em grupos apropriados, digamos que ai teríamos uma “taxonomia cultural”. Esse método de estudo científico é conhecido como comparativo, onde ocorre um desmembramento do objeto estudado afim de encontrar leis gerais para definir o fenômeno. Ao definir ou procurar leis universais para gerar uma certa validade científica, vemos que o modelo de ciência usado para estruturar as teorias de Tylor foi o das ciências naturais, o mais comum no século XIX, assim como Darwin. Contudo, uma diferença era quase que gritante entre esses dois cientistas: o método de observação. Enquanto Darwin viajou por anos para comprovar suas idéias, enfrentando até o seu enjôo a bordo dos navios, Tylor era um “antropólogo de gabinete”, visto que maioria das suas pesquisas eram feitas na biblioteca e se baseavam em relatos de viajantes e missionários.
Mesmo com um raciocínio condizente e argumentos consideráveis, a teoria de Tylor hoje se mostra ultrapassada, visto que, com base no relativismo cultural, não se torna válida a idéia de que houve uma mesma cultura que originou diversas. As tais “sobrevivências” de que Tylor tanto fala muitas vezes não se mostram em nenhum aspecto de uma cultura para outra. Os conceitos de certo e errado, de educado ou rude, e outros variam extremamente de uma cultura pra outra. Seria mais válido, talvez, acreditar na antropologia difusionista, que sucedeu a antropologia evolucionista. Os difusionistas basicamente acreditam que a ocorrência de elementos culturais semelhantes em duas regiões geograficamente afastadas não seria prova da existência de um único e mesmo caminho evolutivo, como pensavam os evolucionistas. O pressuposto difusionista, diante do mesmo fato, era que deveria ter ocorrido a difusão de elementos culturais entre esses mesmos lugares (por comércio, guerra, viagens ou quaisquer outros meios). Logo, o monogenismo defendido por Tylor se mostra falho por dois pontos de vista distintos.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Um argumento...

Madalena, uma mulher na casa dos quarenta, vem enfrentando alguns problemas desde seu divórcio. Os filhos já saíram de casa e, pela primeira vez em muitos anos, Madalena se encontra assustadoramente sozinha. Ela dá aula em uma faculdade em São Paulo, chamada ESPM, onde ensina História da Arte. Hoje, sentada em sua sala de estar, tomando café antes do primeiro dia do ano letivo na faculdade, ela vê uma borboleta em sua mesa. Um pensamento passa pela mente da professora: "Quem dera...um pulo na janela e eu já estava no céu.".

Já na faculdade, ela entra na sala de aula onde a turma nova já a aguarda. O ambiente é esquentado pelos ânimos jovens. Maria, uma estudante que lhe chama atenção, está sentada em um canto da sala pensativa. Um flash de problemas passam pela cabeça de Maria. Enquanto isso, Madalena, depois de alguns segundos fitando a aluna distraída, se instala e começa a aula. Ao toque do sinal, a professora encara a aluna e fala: "Muita dispersão, espero não ter que chamar sua atenção na próxima aula.". Maria se desculpa com um olhar terno. Ao sair da sala, Maria abraça dois amigos que a esperam com muita empolgação, os problemas parecem sumir com facilidade na idade dela. Nesse instante, uma pontada de inveja fulminante domina Madalena.

No refeitório dos professores da ESPM, Madalena se senta sozinha em uma das mesas para almoçar. É um lugar amplo, cercado por uma sacada enorme onde os professores fumantes aproveitam sua folga. Madalena se distrai, pensando na situação que ocorrera de manhã e em como sua vida se tornou o que ela sempre temia na juventude: uma rotina de idosa. Por um momento, a borboleta passa pela mesa de Madalena, assim como ocorrera antes. Nesse instante, Madalena olha para a sacada e se envolve em uma visão turva. Nesta visão, ela vê a linda Maria em uma camisola branca, toda rendada. Ela só escuta Maria dizendo: "Como você aguentou? Não sinto que vou aguentar... o que te segurou por tanto tempo? Nada me segura aqui, a não ser...". Sem terminar a frase, Maria se joga.

O transe é interrompido por um professor que se junta a ela para comer. Madalena se esquece do que parece ser só uma alucinação boba e segue com sua vida. Ao fim do seu expediente, passando pela porta da faculdade, a professora vê Maria do lado de fora, embaixo da chuva que cai com força.

Maria e um rapaz se divertem enquanto a chuva os molha. A paixão infato-juvenil dos dois é cativante, por mais que ela talvez dure menos que um jantar à luz de velas. Maria dança feliz na chuva com seu companheiro e vê Madalena dentro da faculdade, seca e segura. Um aceno simpático derrete a inveja que passa pela mente de Madalena. Talvez, no lugar desta, se instale um carinho grande pela aluna que acabara de conhecer. Impressionante como um dia pode fazer a diferença.

A semana segue tranquila para ambas, excluindo uma ou outra vez que seus caminhos se cruzassem. Em sua segunda aula para a turma de Maria, Madalena aparenta estar nervosa. Seus livros caem, ela se atrapalha com a apresentação de power point, parece que te algo a incomodando. A aula parece correr bem, até que a docente enxerga Maria totalmente distraída escrevendo em um caderno. Madalena, já um pouco atordoada, toma uma pose rigorosa, pega o caderno de Maria e a exclui da sala. Maria está diferente agora. Toda aquela alegria da menina que tomava chuva com seu amor parecia ter ido embora. Madalena não se importou, aliás, talvez nem tenha visto.

Ao fim da aula, a professora solta um suspiro forte e se senta em sua cadeira. Alguma coisa a agoniza e ela não sabe o que é. O caderno de Maria está em cima da mesa à sua frente. Madalena o pega para ler o que Maria escrevera. Eram poucas palavras, muito simples até, mas que fizeram Madalena se levantar, deixar o caderno cair e sair correndo, na procura pela aluna. No caderno caído só se lia: "E nada me segura aqui, a não ser uma visão bonita no espelho, com um vazio no coração."

Está chovendo, Madalena sai da faculdade e vê Maria passando pela rua. Ela corre até a aluna e grita seu nome. Maria se vira, chorando. Madalena lhe dá um abraço forte, que é retribuído. O abraço que acaba e as duas se fitam, testa com testa...

terça-feira, 4 de maio de 2010

Uma reflexão sobre a semiótica...

Comum é acharmos que sabemos tudo. Comum é termos medo daquilo que nunca nos foi mostrado, daquilo que é misterioso ou ameaçador.
Bom, se é assim, ouso dizer que a semiótica foge do comum. Ela, sábia como poucos, nos acusa de que nada é uma certeza, mesmo quando tudo nos é mostrado. Em pouco tempo, é impressionante como ela e suas crias, as artes, encantam e fascinam. Sinto que, a cada mergulho que damos, mais fundo queremos entrar e mais apaixonados ficamos. É melhor que droga, pois uma droga só vicia ou liberta, não cativa.
Escolhi adorar o pouco que sei da semiótica por amar o pouco que ela passa. Na semiótica, existe o talvez. Não existe uma legenda, existe interpretação.
Uma vez, numa tela de cinema, me foi dito: "Choose Life". Acho que essa frase só queria me mostrar como somos carentes da alma, de viver, de simplesmente ser. Acho que ele queria me mostrar pra fazer de minhas horas o melhor de mim. Escolhi amar cinema, escolhi amar pintura, escolhi amar cor, escolhi amar arte, enfim, escolhi amar a semiótica. Escolhi a vida, sim, e uma vida repleta de amores para me ajudarem a encarar as horas que estou por enfrentar.
Escolhi amar semiótica pois, sem ela, talvez eu nem estivesse escrevendo neste papel agora. Talvez, sem ela, o mundo não teria cores. Sem ela, não conseguiríamos abrir as gavetas presas com nossos próprios monstros, prontos pra nos devorar na angústia de nossas rotinas.
Com a semiótica, sinto que chego um pouco mais perto do que quero ser, ou, pelo menos, o que idealizo das pessoas. Sinto que com certos saberes, não terei que procurar um narciso no espelho, não terei que comprar as flores da minha própria festa, não terei que gritar pra seduzir a vida.
Do que uma garota de 20 anos sabe? Ela só sabe que ainda tem muito aprender. Bem, se é assim, num mundo onde ninguém sabe de nada, a semiótica ajuda a ver além do comum, pensar fora de fórmulas, sair das linhas e esquecer as regras.
Quero mostrar que uma paixão pode virar um amor pra vida toda. Quero sentir que podemos ser o que quisermos. Quero ensinar apesar da inexperiência da juventude. Quero entender, finalmente, o que é ser.
Quero me perder, nem que pra isso precise me achar.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Análise estética da Fotografia e da Direção de Arte de Jean-Pierre Jeunet

Quanto à fotografia, não restam dúvidas de que Jeunet se dedica a criar verdadeiros quadros nos planos de seus filmes. A acuidade usada para gerar imagens belíssimas é um dos pontos fortes de Jeunet e é uma das suas características mais aclamadas. As cores de seus filmes, o uso de posicionamentos de câmera diferenciados e inovadores, os movimentos de câmera inusitados e de uma certa dificuldade de execução, todos esses fatores ajudam a criar a visão fantástica da história que Jean-Pierre quer contar aos espectadores.
A realidade para Jeunet já é algo muito cru e cruel, o que faz com que ele busque criar imagens fantasiosas sobre a própria realidade, como se vê em seus dois filmes mais recentes, " O Fabuloso Destino de Amélie Poulain" e "Eterno Amor" – nos quais ele busca, na pós-produção, amarelar as cenas como se estes fossem os olhos das próprias personagens colorindo a vida.
Quanto ao posicionamento de câmera, junto ao uso de lentes grande-angulares - que já por sua confecção proporcionam uma certa distorção da imagem - o diretor francês busca distorcer o rosto dos personagens para efatizar a narrativa fantástica. Um exemplo disto é a cena inicial do filme " O Fabuloso Destino de Amélie Poulain", na qual a personagem Amélie (Audrey Tautou) vai quebrar a camada caramelizada de um creme bruleé e ocorre um plano próximo dela segurando uma colher antes de fazê-lo. A câmera, durante planos para distorcer a imagem como este, costuma ficar acima ou abaixo do personagem filmado, muitas vezes também se inclinando de acordo com a sensação que o diretor busca passar (como um incômodo, uma surpresa). Em outras palavras, muitos enquadramentos usados por Jean-Pierre fogem do senso comum. Contudo, mesmo utilizando planos arrojados como este, Jeunet ainda se baseia em artistas impressionistas do século XIX, vinculando assim planos de imagens distorcidas com planos que remetam a quadros impressionistas, como se vê, ainda em Amélie Poulain, na cena da ponte, na qual a mãe de Amélie despeja Cachalote em um rio.
Tal dedicação à grandeza dos artistas impressionistas (havendo até uma homenagem ao pintor Auguste Renoir com o personagem Dufayel) também se reflete no cuidado que Jeunet tem com as cores de seus filmes. A iluminação, o aperfeiçoamento das cores feito na pós-produção digital, a direção de arte delicada, com a escolha de objetos coloridos e de cenários condizentes para o uso de técnicas da teoria das cores como o das cores complementares - uso de objetos de cores frias em ambientes quentes -, o uso de película de cinema ao invés do vídeo. Tudo coopera para a produção de imagens lindas e de tons exuberantes que acabem por gerar algo além do escapar da realidade: Jeunet filma o sublime quando mostra suas personagens dançando com o drama da forma mais otimista possível. O diretor é o artista da beleza nos pequenos detalhes, no cotidiano e no triste.
Quanto aos movimentos de câmera, vê-se que o diretor não usa, de maneira alguma, a câmera viva – com excessão de algumas cenas em Amélie Poulain - coisa que remete ao retrato da realidade no "linguajar cinematográfico". Os tilts, travellings e pans são sempre feitos em tripés, dollys, etc. para manter a linguagem da forma fantástica e dinâmica, sendo que, em grande parte das vezes, os travellings in do diretor terminam em um close distorcido do personagem em questão. São utilizados Plongées e Contra-plongées para demonstrar a superioridade ou inferioridade das personagens em cada cena. Com este intuito, também, o diretor utiliza muitos Hero-Shots ou Smash Cuts. Um exemplo desse artifício é quando Amélie vai realizar alguma tarefa e chega a olhar para a câmera. Quase todas as apresentações de personagens são feitas em Close.
Antes dos filmes " O Fabuloso Destino de Amélie Poulain" e "Eterno Amor", o diretor se encontrava muito encômodo em filmar cenas em locações externas, justamente por conta dessa acuidade com a cor, a definição da imagem e a iluminação. Os seus primeiros filmes, "Delicatessen" e "Ladrão de Sonhos", foram inteiros filmados em estúdios fechados e com um trabalho árduo na pós-produção digital, resultando em filmes visualmente lindos e sem a preocupação das mudanças da iluminação em locações externas.
Como o diretor enfoca, como já repetido muitas vezes, nas cores utilizadas coube, então, ao diretor de arte produzir cenários com objetos de cores que se contrapunham à cor do ambiente. Como exemplo disso, vemos algumas vezes nas cenas de " O Fabuloso Destino de Amélie Poulain" que, quando Amélie está em sua casa, a sala se encontra com uma cor alaranjada e, em meio a essa coloração, tem-se um abajur azul ou verde para formar esse destaque em ambas as cores. Estudando mais a fundo, vê-se que houve um estudo profundo na Teoria das Cores, onde se usa o princípio da cor complementar, visto principalmente na cena em que Amélie, usando um vestido vermelho, está jogando pedras num lago de fundo verde (nesta cena, ainda, vale comentar que o movimento de câmera utilizado foi muito complexo, mesclando um traveling out com um tilt, apresentando um ótimo resultado e ainda levando piadas para o making of com a queda do diretor de fotografia no lago, mostrando como o cuidado com a decupagem e os movimentos de câmera são prioritários para o diretor).